sábado, 18 de dezembro de 2010

FESTIVAL DE MONÓLOGOS DE PIEDADE

Segue agora as impressões de Roberto Borenstein e Berenice de Fátima Luiz sobre o Festival de Monólogos.
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Aos meus carissimos amigos quixotescos/patetas/brancaleonenses... eis aqui umas palavras espontaneas sobre minha experiencia em Piedade:
"Convite para um Café" é um espetáculo que cabe em qualquer lugar. Basta haver um sofá e um público assistindo. Na falta de um sofá, serve uma poltrona. Ou uma cadeira. Ou um banquinho. Mas é necessario haver um público assistindo. Nem que o público seja formado por uma pessoa. Tenho dentro de mim, sempre, a vontade de ir ao encontro das pessoas e de apresentar-lhes "Convite para um Café". Em suas residências. Ou em salões de festas. Ou em qualquer lugar alternativo. Até mesmo sob o teto de um coreto de praça numa noite de chuva, comendo um sanduíche.
Minha proposta é de apresentar "Convite para um Café" onde quer que as portas me sejam abertas. Procuro não pensar em público alvo, já que o tema da peça é universal e dialoga com os mais variados perfis de público. Gosto de apresentar "Convite para um Café" em locais os mais diversos, das regiões mais nobres, às menos favorecidas. Em muitas oportunidades faço um trabalho de formação de público.
Por tudo isso fui a Piedade. Abriram-me as portas de uma casa que numa época foi a prisão de Piedade. E que hoje é a Casa da Cultura da cidade. Será que as pessoas da cidade já sabem desta mudança? Fiquei contente, porque apresentei "Convite para um Café" para 3 integrantes do Grupo Sei-Lá, um grupo de teatro da cidade. Eles chegaram pontualmente 1 hora antes do inicio das apresentações para garantir seus ingressos (mas tiveram que esperar 45 minutos até que chegasse alguém da organização do festival para atendê-los). Para estas 3 pessoas esta noite foi muito especial. Fiquei contente porque  também havia mais gente assistindo. Dentre o público havia também 3 jurados, que estavam lá a trabalho. Mais umas 3 autoridades da região, interessados em aparecer nas fotos (ao invés de estarem interessados em lotar as cadeiras disponíveis com moradores de Piedade). Estavam dentre  o publico uns 3 casais, umas 3 outras pessoas que entraram porque as portas estavam abertas, mais umas 3 outras pessoas que entraram porque nos ouviram durante o dia divulgando pelas ruas o Festival de Monólogos.
Estavam presentes na Casa da Cultura, que tinha sido prisão (será que a Cultura sabe desta mudanca?) 4 outras pessoas que, como eu, quixotescamente, lutam contra os moinhos da barbárie a luta heróica de manter vivo o sonho do Teatro. Como doadores universais, demos nosso sangue ao Teatro de Piedade. O Teatro de Piedade ganhou uma sobrevida.
Os 5 Quixotes/Patetas brancaleonenses seguem adiante, agora rumo a Votorantim. E não pararão. Porque sempre encontrarão prisões a serem transformadas em casas da cultura.
Faço agora uma confissão aos meus 4 colegas: eu teria ido a Piedade mesmo que "Convite para um Café  não tivesse sido selecionado. Eu iria porque tinha interesse em assistir outros monólogos e conhecer outros monologueiros. Para que? Para nos juntarmos e somarmos nossos esforços em projetos e ações de interesse comum.

Roberto Borenstein

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O rito penitencial exige reconhecimento e arrependimento dos pecados. A questão deve estar no que se entende por pecado. Da minha parte, sempre gostei mais dos ritmos das ladainhas e preocupei-me menos com o arrependimento pelos pecados cometidos. Adoro as ladainhas. Acho que desde sempre tive problemas com pecado. Desde muito pequena ainda, dizia sempre diante do “isso é pecado”: “Por quê?”
         Pecado me remete ao cumprimento de regras não estabelecidas por mim. E a medo e a cerceamento de liberdade e a outras coisas limitadoras e castradoras.
         Piedade é bem diferente da imagem que construí dela na minha cabeça. Achava que quando chegasse em Piedade, encontraria uma cidade pequenininha e bonita e acho que até mesmo... bucólica. Para mim, Piedade teria os olhos cândidos de Deus me perdoando dos pecados que eu nem sabia tê-los cometido por não acreditar que tais atos meus pudessem ser configurados como pecado. Piedade teria os olhos de Deus me livrando do fogo eterno do inferno.
         Lá, na Piedade da minha cabeça, casas feias e enfiadas no meio de morros não poderiam existir... E nem um mendigo dormindo sob um sol tão quente. Não há um sol desses na minha Piedade. De verdade, lá as pernas das pessoas que andam a pé são firmes, por conta das ladeiras. Mas lá tem algo muito interessante que na minha cidade não tem. Lá as pessoas respeitam as regras de trânsito. E não existem semáforos. A gente pisa na faixa de pedestres e os carros param para que atravessemos. Ninguém fica xingando o outro e andando feito louco como se quisesse tirar o pai da forca ou voar sobre nosso carro... Detesto gente estressada e apressada. E gente extremamente ansiosa me perturba... O que foi feito da calma? E da paciência? E da tolerância?
         Lá em Piedade, percebi que a imagem que as pessoas têm de quem produz arte – até a imagem de quem deveria estar capacitado para proporcionar arte - não difere da imagem construída de muito por grande parte das pessoas nas mais das diversas cidades. A de que já que o artista faz o que gosta, que pra ele, tudo é festa. Que problema há se o artista tiver que se deitar num palco não varrido durante sua apresentação? O artista comum, digo. Não falo dos artistas que aparecem na TV.
         Meu desejo de muito é ampliar a minha territorialidade: espacial, cultural, emocional, fraternal... Sempre que me aparece uma oportunidade para tal, a agarro. (Coisa que o homem sem sorte da história que conto não faz). Despenquei em Piedade com mais 4 pessoas incríveis escolhidas dentre 28 outras. Eu mais 4 pessoas que se inscreveram para dar vida a seus personagens por 20 minutos. Numa tentativa de alguns envolvidos para resgatar uma tradição da cidade nos festivais de monólogos que com sucesso aconteciam quando Paulo de Andrade os organizava. Mas Paulo de Andrade morreu. E agora Piedade tenta resgatar tal tradição dando ao primeiro festival depois de anos sem um, o nome do Paulo. Minha personagem de muito queria sair de mim. E lá, em Piedade, sob as bênçãos de Paulo, saiu livre e me fez, eu, sua dona, um tantinho mais forte e viva. Acho que Paulo de Andrade gostou de nós 5. Só não sei se terá piedade para os que tentaram inviabilizar tal festa com exigências que não combinam com a arte verdadeira. Os sindicatos e entidades tentam burocratizar o que jamais será burocratizado: a arte verdadeira. E os “5 Patetas” - como bem denominou o grupo dos cinco, um dos próprios - não deixamos. E fizemos o festival acontecer. Amém! 

Berenice de Fátima Luiz

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