segunda-feira, 23 de novembro de 2009

DEZ ANOS SEM PLÍNIO MARCOS



DO BLOG DO BORTOLOTTO


Ontem a Folha de São Paulo comemorou os 10 anos da morte de Plinio MarcosE me pediram pra que eu repaginasse algum personagem dele tipo "o que o personagem estaria fazendo hoje". Eu escolhi o Vado da peça "Navalha na Carne". Imaginei o Vado com 70 anos. Na Folhapor um lance de espaço (eles pediram 2.500 caracteres e eu escrevi 3.300) a micro-peça foi publicada com alguns cortes que eu mesmo fiz pra evitar que cortassem por lá e em lugares errados comprometendo o fluxo dos díalogos e a pequena história que tentei contar. Aqui eu vou publicar como escrevi inicialmente. Pra quem tiver a fim de ler.



DEPOIS DE TODO O SUMO

Personagens :

Vado
Lúcio
César

(Vado está sentado na porta do bar. Está descascando uma laranja. É um velho mal encarado, por volta de 70 anos. Lucio se aproxima dele)
LUCIO :  Me disseram que você é o Vado.
(Vado continua descascando a laranja. Não olha para Lucio)
VADO : Quem quer saber?
LUCIO : Eu me chamo Lucio.
VADO : O seu nome não significa nada pra mim. Quem quer saber?
LUCIO : É que me disseram que você podia conseguir umas coisinhas.
VADO : Quem “disseram”?
LUCIO : Lá dentro do bar. Eles disseram. Fala com o Vado, aquele velho mal encarado lá fora. Ele pode te conseguir umas coisinhas.
VADO : Eles falaram assim, é?
LUCIO : Foi.
VADO : Eles me tem em alta conta.
LUCIO : (sem jeito) É.
VADO : (olhando pra Lucio) Que tipo de coisinha?
LUCIO : Do tipo que a gente cheira.
VADO : Eu cheiro muita coisa. Por exemplo, lá embaixo no meio das pernas da mulher...eu gosto de cheirar.Você não?
LUCIO : Não é exatamente o que eu tava pensando.
VADO : Eu só posso cheirar, sabe como é. Às vezes eu pago pra elas deixarem eu cheirar.  
(fica um tempo olhando Lucio sem falar nada)
LUCIO : E então?
VADO : Não.
LUCIO : Não?
VADO : Não.
LUCIO : Não o que?
VADO : Não tenho coisinha nenhuma.
LUCIO : Mas me falaram...
VADO : Eles te enrolaram.
LUCIO : Você sabe onde eu posso conseguir...
VADO : Não. Não consigo nem imaginar.
LUCIO : É sério isso?
VADO : Olha, rapaz...
LUCIO : Lucio.
VADO : Tanto faz. Só tô aqui fora descascando uma laranja. Não faço nem idéia do que você tá falando.
LUCIO : Mas você parecia...
VADO : Eu pareço um velho mal encarado. É assim que eles me vêem. E você pode achar que eu pareço o que você quiser. Não tô nem aí.
LUCIO : Acho que você não confia em mim, olha...
VADO : Você vai me contar a sua vida? Eu tenho certeza que conheço melhores. Não preciso conhecer a sua.  
LUCIO :  Ok, entendi. Vou tentar com outra pessoa então.
(Vado volta a descascar a laranja ignorando Lúcio totalmente)
LUCIO : Até logo, senhor Vado.
(Vado não responde. Lucio vai embora. Vado termina de descascar a laranja. Corta a tampa dela e começa a chupar e olhar para Lucio que está se afastando. César, um outro velho que  é o dono do bar sai lá fora e fica olhando para Vado)
CÉSAR : O que é que ele queria?
VADO : Cheirar alguma coisa, parece.
CÉSAR : Hummm.
VADO : Ele me contou que vocês disseram que eu era um velho mal encarado.
CÉSAR : Você não é nenhuma miss, né, Vado?
VADO : Eu já fui um cara bacana. Tive muitas mulheres. Elas me sustentavam.
CÉSAR : Eu já fui um super-herói. Salvava mocinhas indefesas de super-vilões e depois comia caviar com meu mordomo enquanto assistia meus super feitos no meu super aparelho de tv.
VADO : E o que foi que aconteceu com você?
CÉSAR : Nada demais. Eu envelheci.
VADO : Cafetões também envelhecem.
CÉSAR : Chupa sua laranja, Vado. Depois joga o bagaço fora. Não deixa por aí sujando a frente do bar, tá?
(César entra pra dentro do bar. Vado termina de chupar a laranja. Fica olhando pro bagaço sem parecer saber o que fazer com ele. Deposita cuidadosamente o bagaço no banco ao seu lado. Fica olhando para um lugar indefinido com expressão também indefinida. Luz cai)

Mário Bortolotto
Primavera de 2009

Nenhum comentário:

Postar um comentário