quarta-feira, 19 de junho de 2013

QUERIDA MESTRA E AMIGA TATIANA BELINKY VÁ EM PAZ! NOS VEMOS POR AÍ!

PALMAS PARA TATI! 

Com mais de noventa anos de idade, a Tati ainda nadava e atravessava mares e oceanos. Em cima de sua bicicleta ela cruzava continentes. E com suas incansáveis pernas, ela corria, descendo vales, desbravando florestas e subindo montanhas. Quando acordada, com as pontas de seus dedos, Tati Tateava. Tati tateava as letras, os acentos, as vírgulas e os pingos dos Is. Tateando, Tati sempre encontrava uma rima, ou um duplo sentido nas palavras, divertindo seus leitores e ouvintes, pegando-os diversas vezes, no contrapé. Tateando, Tati sempre revelava brechas nos pontos finais, como quem diz: -Nada de ponto final! Não existe final! Afinal, todo final não passa de um portão enferrujado, que ao ser aberto pelas chaves da criatividade e da compreensão, acaba por revelar um universo infinito de novas possibilidades e conexões. Já na Russia, Tati afrontara o final, antes mesmo de nascer, quando ainda no ventre, assistira sua mãe desafiando altos oficiais do exército vermelho, que haviam condenado seu pai à morte pelo simples fato de ser judeu. No final, todos se safaram e Tati nasceu. Décadas depois, com seu espírito de vanguarda, Tati novamente desafiara o final, conectando a última capa do último livro da grande obra infantil de Monteiro Lobato, o Sítio do Pica Pau Amarelo, às telinhas da televisão, levando-a a uma popularidade jamais imaginada. Nas antecâmaras do dops, em tempos de ditadura, Tati também desafiara os limites. Sim! Bem ali ao lado das celas onde muitas vidas foram ceifadas, Tati, fazendo-se de boba, passara para trás cruéis inquiridores, que estavam à caça de seu filho, fazendo-os até mesmo servir-lhe cafezinho e varrer o chão, de modo a deixar o ambiente mais adequado a sua nobre presença! Passados os anos, Tati, com muito tato, assumira a função de crítica de teatro, novamente desafiando os limites impostos pelas convenções, transformando-se em uma critica que não critica, mas sim, que aconselha. Na literatura Tati, cuja língua materna era o Russo, passara por cima do grande ponto final do idioma, transformando-o numa enorme vírgula, sinal agregador e inclusivo, redundando inicialmente em traduções e mais tarde em mais de duzentas obras em Português, idioma o qual adotou, alimentou e acalentou, como uma verdadeira mãe faz com seus filhos. Com afeto e risadas. Rimas e limeriques. Tati também foi uma defensora das liberdades e da diversidade, e como toda defensora sincera dos direitos alheios, Ela, sempre defendeu sua própria condição de judia, através de ferinos argumentos, que não poucas vezes estontearam ignorantes anti-semitas. Seu apreço ao judaísmo também demonstrara com o trabalho voluntário que fizera durante vários anos na revista judaica chabad News e através do carinho à religião e às tradições passado aos seus filhos e descendentes. Tati não se cansava de lembrar a todos a maravilha que fora o dia em que seu marido, junto com seu filho Ricardo e seu neto comemoraram simultaneamente o seu Bar Mitzvah. Nas festas de Rosh Hashana, o ano novo judaico, tati fazia questão de cumprir o preceito de ouvir o toque do shofar, o berrante judaico, o que além de ser um preceito bíblico, também lhe evocava lembranças de seus antepassados. Foi numa destas ocasiões que a conheci, quando fui solicitado por nossa amiga em comum, a Fortuna, que neste exato momento está fazendo um show em homenagem a Tati, para ir até sua casa para tocar o shofar. Fui com minha esposa e filhos. Naquele dia conheci o Ricardo, o amigo mais velho da Tati, como ela sempre o chamava e sua fiel escudeira e anjo da guarda, sua nora Fathia, que tem nome de princesa egípcia, mas que se mostrou uma verdadeira Yidishe mame com sua querida sogra. Desde aquele dia, eu e minha família nos apaixonamos por Tatiana Belinki e sem exagero algum, posso afirmar, sem virgulas, e só com ponto final, que ela mudou nossas vidas para melhor. Para muito melhor, e para muito além das limitações que estávamos acostumados. Nos últimos meses acompanhamos sua partida, e foi neste mesmo período que mais aprendemos com sua gigante personalidade e Luz, pois: Nem mesmo a prisão da cama e da dificuldade de falar impediram-lhe de criar e ditar novos versos engraçados e emocionantes. Nem mesmo a cegueira, adquirida após o derrame, a impediu de enxergar, pois Tati, desafiando a tudo e a todos, após um pequeno acidente no qual batera levemente a cabeça, voltara a enxergar, semanas antes de sua partida do mundo físico. Na última semana, com a fala e com os movimentos completamente comprometidos, Tati, imóvel e presa a cama do hospital, não se dera por vencida e vencendo todas as limitações possíveis e imaginárias, com poderes pertencentes somente aos que sabem sonhar e fazer sonhar, viajara em energia e alma, levando a mensagem de sua partida e seu sorriso de despedida a amigos e familiares que se encontravam distantes fisicamente, porem conectados a ela pelo amor e pela admiração. Minhas últimas palavras para minha amiga e mestra, em seu estado físico, foram de agradecimento. Agradeci por tudo o que ela fez por mim e por todos nós. Depois dei lhe um beijo e ouvi satisfeito seu simples, porem verdadeiro e sincero “De nada”, acompanhado por um sorriso iluminado, que nunca vou esquecer. Ao chegar ontem em sua casa, sentando me na cadeira, que estava de frente ao caixão, senti que derrubei algo. Era um Shofar. O mesmo Shofar que me levara anos atrás a sua casa e que abrira para mim e para minha família esta maravilhosa oportunidade de conhecer Tati. Em seguida abri o livro dos salmos, pedindo ao Eterno que me deparasse com algum salmo digno de recitar naquele momento e para minha felicidade, abri logo um cujo versículo central, recitado quando recebemos um grande líder espiritual, fala de vida eterna ao lado do Criador. Tati querida, somos eternamente agradecidos. Desejamos que vá em paz, mas como você, que sempre desafiou os limites sabe, estaremos sempre juntos e repetindo o que você sempre dizia a respeito de seu pai, marido e filho, amigos não perdemos nunca. De seu amigo e aprendiz, 
More Ventura.

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