sábado, 28 de agosto de 2010

SATED QUER ACABAR COM O TEATRO AMADOR

Assim que abri o jornal Cruzeiro do Sul, no Caderno Mais Cruzeiro, uma bomba explodiu na minha cara ao ler a matéria assinada por José Antonio Rosa intitulada “Impasse com Sindicato leva ao cancelamento do Festival Livre de Teatro Amador”. Segundo consta na matéria, “o motivo da divergência tem a ver com a regulamentação do exercício da profissão de ator. O Sindicato exigiu que os grupos participantes comprovassem o registro de seus atores e técnicos no Ministério do Trabalho (DRT) ou obtivessem autorização para poder encenar suas montagens.” - Como assim? – pergunto. – Não se trata de um festival amador? Se o festival é amador, por que os atores precisam do DRT? E por que pagar pra SBAT ou ECAD? Nunca vi tamanho absurdo. Um parêntese. Sou sócio da SBAT há 15 anos e NUNCA recebi os 10% referentes ao pagamento dos direitos autorais dos meus textos, que encontrava via Google. Sequer era informado a respeito. Mas um caso interessante aconteceu... Certa noite estava à porta do Teatro Fábrica, minutos antes de começar meu espetáculo Depois da Chuva... que cumpria temporada naquele local. Um sujeito vem ao meu encontro perguntando se eu era diretor da montagem. Respondi que sim. Ele se apresentou como o fiscal da SBAT e me perguntou se eu havia pedido autorização para o autor do texto Julio Carrara para encenar a obra. Respondi que não havia pedido nenhuma autorização para o autor já que... Fui interrompido pelo fiscal, dizendo que o autor poderia cancelar a temporada se não pagasse a porcentagem dele, além de estar muito furioso com o fato. “Furioso? Eu? Desde quando? Eu sou Julio Carrara”, respondi. O sujeito não sabia onde enfiar a cara. Se despediu rapidamente e parece que entrou em órbita, porque nunca mais veio me procurar. Como dramaturgo, cedo gratuitamente meus textos para grupos amadores. Faço questão disso. Então, cara SBAT, não se intrometa. Agora voltando ao assunto do DRT, vou contar a historinha de como faz para obter o registro de ator. Para obter esse registro é preciso dirigir-se ao Sindicato dos Artistas, na Avenida São João em São Paulo (agora esse sindicato tem se espalhado pelas cidades do interior como um vírus, pior que o da gripe suína) levando a pasta com os espetáculos amadores que você participou, além de documentos pessoais e desembolsar um salário mínimo. Abrindo outro parêntese: “Como é possível juntar material de espetáculos amadores, se agora o Sindicato quer acabar com o teatro amador no interior? Por que fizeram essa insanidade com o Festival da ATS? Não faz sentido.” Prosseguindo: O sujeito não tem grana e se vira como pode: vai trabalhar de garçom à noite tentando equilibrar as bandejas; aos finais de semana, à tarde, pinta a cara de branco, põe uma bola vermelha no nariz e vai animar festinhas infantis, ou faz teatro-escola, teatro-empresa e sei lá mais o que pra conseguir uns trocados até completar o valor exigido. Retorna ao Sindicato para pagar a taxa, aguarda um tempo, e obtém a resposta através de uma voz anasalada: - Sr. Fulano de tal, seu material foi aprovado. O sujeito pula de alegria. Mas seu contentamento dura pouco ao ouvir a frase seguinte: - É provisório. Válido por um ano. Provisório? Válido por um ano? Quer dizer que no ano seguinte o sujeito terá que fazer a mesma coisa, desembolsar a mesma quantia - ou mais - se aumentar o salário mínimo, pra ter em mãos o seu registro definitivo? Que espécie de Sindicato é esse? Mas o sujeito é persistente. Quer levar para o Ministério o documento entregue pelo Sindicato e pegar seu registro provisório. Só que pra isso ele tem que assistir a uma palestra de capacitação com a duração de 4 horas (quase o tempo de duração de uma peça do Zé Celso), ministrada por dona Lígia de Paula Souza, presidente do Sindicato de São Paulo há mais de 20 anos – o cargo é vitalício? - que num palquinho dá uma “aula” aos novos profissionais sobre a legislação... Aí vem a história de Procópio Ferreira que foi pedir sua aposentadoria para Getúlio Vargas; da Lei 6533/78, que regulamentou a profissão de ator; sobre contratos, blá-blá-blá e tudo mais. O mais patético são as frases feitas que ela fala como se fossem suas – com certeza deve ter lido em orelhas de livros... Faltando 15 minutos para acabar a palestra, ela decide entregar o documento. Com gestos largos, chama um por um para pegar o documento, assinar a lista de presença e dar-lhe um beijinho no rosto. Enfim, foi essa maneira que encontrou de estar em cena. Desculpe-me pela minha sinceridade, dona Lígia, mas a senhora deveria voltar a fazer os filmes em que atuava – principalmente os da década de 80, como Sexo em Grupo, por exemplo – em vez de estar à frente do Sindicato. Quem quiser ver a esse filme, eu tenho uma cópia, já que o original está muito bem guardado... A senhora não começou em teatro amador, não? Ou já começou fazendo filmes? A senhora era bem remunerada com esses filmes? Por que sei que no SATED, é. E muito bem remunerada por sinal. Ganha em um mês o que ganho em um ano. Quem faz teatro amador não recebe nada, dona Lígia (e se recebe) são migalhas que mal dá pra fazer a compra do mês num supermercado ou lojinhas de um real. Quantas vezes eu tirei grana do bolso – grana que deveria usar para outras coisas, para montar e produzir um espetáculo? E quantos amigos meus e colegas de trabalho, principalmente os de Sorocaba, não fizeram isso? De repente pinta um festival no cu do mundo, sem ajuda de custo, mas o grupo se mobiliza para levar o espetáculo até lá, faz vaquinha pra pagar o transporte e a alimentação, já que a cidade oferece apenas o alojamento. Depois de horas e horas na estrada, você chega cansado, só que não consegue descansar porque tem 30 neguinhos que você nunca viu na vida roncando e peidando ao seu lado no alojamento, que periga ser o IBAMA – isso seria proposital? Talvez sim, porque na cabeça de algumas pessoas, no teatro só existe veado e vaca – enfim, no dia seguinte você dirige-se para o teatro para montar a cenografia, iluminação e passar um ensaio geral. À noite você apresenta o espetáculo e no debate, o corpo de jurados – composto por atores e diretores desempregados, que conseguiram um bico – detona com seu trabalho e sem nenhuma ética, não é mesmo, Sr. Toninho do Vale? Aí o grupo volta pra casa mais desanimado do que nunca. Se você já passou por isso um dia, parabéns, você é um amador, mas não no sentido pejorativo. Amador porque ama o que faz – apesar de ser uma frase feita, mas que cabe muito bem aqui. Então fazer teatro amador agora é exercício ilegal da profissão? Mas afinal de contas, que porra de profissão é essa? Com ou sem essa merda de DRT, o desrespeito com a classe artística é o mesmo. Tenho o registro há mais de dez anos e fiz questão de não fazer parte dos sócios do Sindicato, porque o mesmo só quer saber de receber o pagamento das taxas de contribuição sindical e sequer me oferece uma vaga no Retiro dos Artistas quando eu tiver uma idade avançada e consequentemente, incapacitado de trabalhar. Falando nisso, alguém sabe me informar sobre o Retiro dos Artistas de São Paulo? Esse projeto já saiu do papel? Por que não se preocupa com isso, digníssima Lígia de Paula Souza, com o futuro dos artistas e não em encher os bolsos de dinheiro? Um dinheiro muito suado, diga-se de passagem, e que o Sindicato ganha na moleza. Meus amigos da ATS, atores, diretores, dramaturgos e técnicos dos espetáculos “O Ébrio”, “Resumo de Ana”, “A Rainha do Brasil”. “Essas Mulheres”, “Vila Judá”, “O Estrangeiro Misterioso” e “A Sombra da Terra”, vocês vão deixar as coisas como estão? Deixar que esses porcos caguem em cima da gente? Vamos nos mobilizar? Fazer o enterro da SATED, da Lígia, desses nefastos todos que só enchem o nosso saco? Precisamos fazer alguma coisa. Senão, daqui a algum tempo, seremos levados à fogueira.

Julio Carrara 

Um comentário:

  1. Aplausos, aplausos.... Isso mesmo Julio, não deixa queto este absurdo. Alguém tem que por pra fora o que está engasgado na garganta de todos os artistas brasileiros.

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