segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

HIGIENE MENTAL

Eu deveria estar de férias, distante do computador e das 10 mil laudas que escrevi este ano, descansando em uma praia, tomando muita água de coco, mas estou tão estimulado, que não consegui parar de escrever. Deixei de escrever por três dias e me senti vazio. E o ócio começou a me deixar deprimido. E estou vivendo um momento tão especial na minha carreira artística, que prefiro continuar mergulhado no trabalho. E nada melhor do que entrar no universo de Tatiana Belinky, que é algo inenarrável. Uma história supera a outra.  Na noite seguinte ao lançamento do livro "Tatiana Belinky: uma Janela para o Mundo", do qual fui colaborador, decidi pegar  um "livrão" de 700 laudas mimeografadas, referente a seis meses de trabalho - de julho a dezembro de 1959 - que já está comigo há um tempão, para digitá-las e evitar que esse vasto material se perca com a ação do tempo. Faltam apenas 7 obras para terminar de digitar, e, levarei, no máximo, uma semana para concluí-las. Estou higienizando a mente e enriquecendo meu vocabulário executando esta tarefa. E com que prazer eu faço isso! 
Encontrei no meio das obras, um roteiro de um programa especial de aniversário do 7º ano do TESP, com informações valiosíssimas. Transformei esse roteiro numa narrativa, mantendo a fidelidade ao roteiro original e sem substituir ou cortar nenhuma palavra. 
Segue abaixo, em primeira mão e recém saído do forno, o texto na íntegra que Tatiana escreveu e Júlio Gouveia apresentou, no dia 29 de novembro de 1959, dentro do programa Teatro da Juventude, exibido pela extinta TV Tupi. Não existe nenhuma cópia e nem publicação deste material. Só existe um original, que agora encontra-se aqui, digitado, e evidentemente, com o consentimento da autora  Boa leitura!

PROGRAMA DE ANIVERSÁRIO DO TESP
29/11/1959

Hoje, dia 29 de novembro de 1959, o Teatro da Juventude completa o 7º ano de existência. E, por coincidência, a data de aniversário do Teatro da Juventude é também a do aniversário do TESP. As histórias de um e outro são, portanto, como se fossem uma só. 
Foi há 11 anos que resolvemos, de brincadeira, fazer teatro para crianças. Era um bom divertimento para a criançada, mas os papais e mamães que faziam o espetáculo, divertiam-se muito mais. Peter Pan foi o primeiro e o sucesso foi tão grande, que a brincadeira começou a se organizar. 
Montamos histórias de bichos e contos de fadas quer representávamos em teatros, em escolas, em hospitais e em cinemas de bairros, adaptados para palco, sempre com a colaboração da Secretaria de Educação, durante dois anos. Fizemos mais de uma centena de espetáculos, cada vez para um público diferente. Adquirimos uma experiência enorme sobre a psicologia e as reações do público infantil. 
Uma das histórias, Os Três Ursos, com Lúcia Lambertini e David José, uma história de Natal, teve um êxito especial, e, não sei como, nem porque, foi parar na televisão, no Natal de 1951. Poucos dias depois, também não sei como é que isso aconteceu, iniciávamos um programa permanente, Fábulas Animadas – com Lúcia Lambertini no papel da Cigarra. E poucos dias depois era iniciado outro programa, O Sítio do Picapau Amarelo
O TESP deixava de ser apenas um hobby, passava a ser um trabalho sério, orientado para a educação do público infantil, numa contribuição importante para a higiene mental. O TESP tinha sede própria onde eram feitos os ensaios e onde se tomava o cafezinho. Alguns dos antigos elementos, fundadores TESP, ainda hoje continuam conosco: Lúcia Lambertini, Wilma Camargo, Paulo Baso, João Alípio Barros e Suzy Arruda, que começou como Onça e acabou como vovó Benta, do Sítio do Picapau Amarelo.
No dia 29 de novembro de 1949 era apresentado o primeiro espetáculo do Teatro da Juventude. A estreia foi com A Bela Adormecida. Naquele tempo, o programa chamava-se Era uma Vez... e era orientado para o público infantil. Gradativamente, porém, fomos percebendo que, desde que a nossa orientação era educacional, a mensagem deveria ser dirigida a todas as idades. Idade é, antes de mais nada, um estado de espírito, e sempre é tempo de aprender alguma coisa sobre o bem e o mal, o certo e o errado. E logo com Coppelia, o nome do programa foi trocado para Teatro da Juventude. A Coppelia, seguiu-se uma série de espetáculos realmente muito bonitos: A Roupa Nova do Imperador e O Rouxinol do Imperador da China. Alternávamos sempre os gêneros – ora mais infantil, ora mais juvenil, como o Mata Sete, com Paulo Bosco e a famosa Balada do Rei João e o Abade de Canterbury. As histórias clássicas da literatura infanto-juvenil de todos os países foram apresentadas e. não podia faltar no Teatro da Juventude, o nosso Monteiro Lobato, com as histórias da Emília, Perralt, Andersen, os Irmãos Grimm... Todos foram trazidos para o vídeo. 
A Bela e a Fera, uma das mais lindas histórias da América Central, marcou a estreia de Adélia Vitória que, com Dionísio Azevedo, viveram um dos mais comoventes espetáculos, e um dos mais difíceis realizados pelo TESP. Foi uma rara felicidade, em todos os aspectos e a caracterização da Fera, realizada por Barry, até hoje o maquiador do TESP, foi perfeita. A transformação da Fera, quando ela volta a ser o Principe que havia sido encantado por uma fada má, foi tão bem executada, que uma telespectadora chegou a telefonar, perguntando como é que era possível... 
Incidentes no Teatro da Juventude é que nunca faltaram. Numa história chamada Magnólia, havia uma vaca que devia ser constantemente transportada de um ambiente para outro. Acontece, porém, que uma das portas era menor que o diâmetro da vaca. A vaca ficou entalada e o cenário veio abaixo. 
Com muita frequência, tivemos bichos que sempre deram muito trabalho desde elefantes, cabras, cavalos, cães e gatos. Numa história de Natal, Paulo Basco que interpretava um suave velhinho, ficou com o pé preso embaixo da pata de um burrinho e nem por isso deixou de fazer suavemente o papel. 
De vez em quando, o Teatro da Juventude apresenta histórias em série. Tom Sawyer foi a primeira. David José e Verinha Darcy eram bem crianças. Esta história foi reapresentada dois anos mais tarde sempre com o mesmo sucesso. As crianças crescem, novas crianças nascem, aquelas que eram ainda pequenas para apreciar uma história chegam depois à idade de entender e gostar... E poucas histórias são tão ricas em ensinamentos para a formação do caráter como Tom Sawyer. É por isso que o Teatro da Juventude repete, periódicamente, alguns espetáculos. É para que novas crianças possam se beneficiar da mensagem contida em certas obras-primas da literatura mundial. 
Heidi, ainda com Verinha Darcy e David José, foi outra série bonita e comovente, repetida também, tempos depois, pelo TESP, mas em outro horário. As histórias de fadas, as histórias românticas e sentimentais como Labakan, o Alfaiate, onde tivemos uma das primeiras interpretações de Hernê Lebon e Felipe Wagner eram alternadas sempre com a literatura brasileira. A contribuição do Teatro da Juventude à divulgação dos autores nacionais é uma das maiores da nossa televisão. 
Uma das mais importantes realizações do Teatro da Juventude foi sua participação nos festejos oficiais do IV Centenário de São Paulo, com a apresentação de Emílio Ribas, Herói de São Paulo, num espetáculo de duas horas e meia de duração. A viúva de Emílio Ribas que forneceu, ela mesma, alguns dados sobre a personalidade do ilustre paulista, exemplo de uma vida dedicada à ciência, ao trabalho e à sociedade.
Exemplo de dedicação, de caráter e honestidade, nunca faltaram no Teatro da Juventude. Uma história verídica acontecida em Belo Horizonte, Uma História de Diamantes foi teatralizada no Teatro da Juventude, apenas cinco dias depois de publicado o caso nos jornais. Era a história de dois rapazes honestos que perdem um pacotinho com alguns milhares de contos de diamantes e um terceiro homem honesto que encontra e devolve o pacotinho. Quem fez isso foi Dalmo Ferreira, que até hoje trabalha como Diretor de Estúdio do TESP. 
Com inúmeras inovações técnicas e artísticas, o Teatro da Juventude tem contribuído para o desenvolvimento da televisão. Cristóvão Colombo foi uma experiência interessante. Era difícil dar em poucas cenas uma ideia exata do caráter e da personalidade tão complexa e, por vezes, contraditória, do ilustre descobridor da América. Suas relações com os reis de Castela, com os homens de seus navios, sua ambição desmedida e seus planos fantásticos, aliado tudo isso a uma nobreza de coração, tornavam-no incompreendido para àqueles que com ele conviviam, e, certamente, incompreendido também para os telespectadores. Era necessário “explicar” Cristóvão Colombo. E foi então inventada uma nova técnica de Narração. O ator (Felipe Wagner) a certa altura parava e exclamava: “Não posso continuar, não estou entendendo.” A interrupção era de maneira a parecer realmente uma interrupção real. Então entrava o Narrador, perguntava o que é que ele, ator, não estava entendendo, e dava uma explicação mais ampla sobre a personagem. Logo os telespectadores percebiam que aquilo era planejado, e, acompanhavam atentamente a explicação. Uma vez explicado a personagem, o espetáculo continuava agora de uma forma mais lógica e mais convincente, e, o que é melhor, dando aos telespectadores uma imagem mais fiel da figura de Cristóvão Colombo. 
Todas as novas ideias de cenografia criadas por Alexandre foram executadas pela primeira vez no Teatro da Juventude. O sistema de cenário fechado e o sistema de cenário circular com câmera central foram experimentadas diversas vezes com grande sucesso e os sistemas foram utilizados posteriormente também em outros canais. O TESP preenche assim sua dupla função como Teatro-Escola que é: Escola para o telespectador e Escola para os realizadores. Sempre pesquisando e buscando novas formas de fazer televisão, o Teatro da Juventude apresentou certa vez, “teatro” sem teatro, isto é, sem atores: com os desenhos originais de Busch e versos de Olavo Bilac. Fizemos Juca e Chico
Além dessas experiências, outras foram realizadas no Teatro da Juventude. Com iluminação, com câmeras, trucagens de toda sorte, experiências de sons, dublagens (não de sons), mas de atores, inversões de imagem, experiências com maquiagem e com cores, enfim, o Teatro da Juventude tem sido campo aberto para quem quer que queira experimentar alguma coisa nova em matéria de televisão. 
Foi há três anos que o Teatro da Juventude passou a receber o patrocínio de uma das mais simpáticas empresas comerciais e industriais de São Paulo – a Phillipe do Brasil. 
Um dos orgulhos do Teatro da Juventude é a realização das séries bíblicas, O Filho Pródigo, com José Serber, Enio Gonçalves, Rafael Goombeck e Hernê Lebon, culminando na cena do reencontro do Filho Pródigo... “eis que este filho estava perdido e eu o encontrei... O Senhor seja louvado...” 
O Livro de Ester, do Velho Testamento, outra série que, pela sua importância e dignidade foi realizada três vezes no Teatro da Juventude, sempre com Felipe Wagner, Hernê Lebon e Adélia Victoria nos papeis principais. 
José do Egito, outra série bíblica, foi feita duas vezes nestes seis anos: a primeira, com Luciano Maurício, ator que deixou o video há tempos e que até hoje é lembrado com saudade por muitos telespectadores e recentemente com Henrique Martins. O papel do velho patriarca, Jacó, o Israel, foi, nas duas vezes, vivido por José Serber. 
Os Dez Mandamentos! Esta é a série bíblica de que mais se orgulha o Teatro da Juventude. Com dezenas de atores, imensas cenas de multidão com bailados, cenas dramáticas e cenas suaves, Os Dez Mandamentos foi uma brilhante demonstração do quanto se pode realizar, com tão poucos recursos dentro de um estúdio de televisão. Mas o que caracteriza a nossa orientação é a variedade de gêneros. Depois de um espetáculo heróico, vem um romântico, como a Fada do Ceará. Era uma história onde a força do amor é maior que a força dos poderes ocultos, maior até que as forças mágicas e acaba por vencer... pois a mágica do amor é a maior de todas as mágicas e encantamentos. Educar divertindo e divertir educando...

Tatiana Belinky e Júlio Gouveia

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