domingo, 6 de novembro de 2011

AMANHÃ É UM NOVO DIA

Hoje acordei triste. Sabe àquela sensação de abandono mesmo tendo uma vista maravilhosa à minha frente, vendo a cidade toda iluminada, ouvindo as vozes das pessoas que transitam pela rua e o barulho do tráfego? Sinto-me só e abandonado, espremido no meu apartamento rodeado por diversos prédios onde vivem centenas de pessoas, torcendo para que alguma coisa de interessante aconteça, para que alguém se lembre de mim e me dê um telefonema, para que alguém toque a campainha... Mas nada acontece. Nenhum telefonema e nem o soar da minha campainha. Absolutamente nada. Mas num lugar como São Paulo (e em qualquer outra grande metrópole, até mesmo em cidades pequenas) essa sensação é comum. As pessoas se isolaram de tal maneira, fecharam-se como pérolas numa concha e estão cada vez mais distantes daquilo que chamamos de relações humanas. Preferem o virtuosismo, porque ali, fingem ser o que não são, compondo, na maioria das vezes, um personagem, para mostrar para o seu(s) interlocutor(es), o quanto é interessante; e o que é pior: acreditam piamente no jogo que propuseram, abandonam-se a si próprias e valorizam o personagem. E o personagem, gradativamente, apoderando-se do seu intérprete, passa a ter vida própria. Mas não quero me aprofundar nesse assunto. O meu interesse é entender o motivo desse isolamento. Fui eu que me isolei ou as pessoas se isolaram de mim? 
No teatro, quando estou em cena, sinto uma forte energia brotando do público e também não me sinto só, porque estamos em comunhão, mas  quando me sento à frente do computador para escrever, é que aparecem os fantasmas e a solidão da profissão. O que fazer? A alternativa é permitir que esses fantasmas tornem-se personagens. Mas e quando a história chega ao fim, quando o escritor esvaziou os pensamentos do seu cérebro concluindo o seu trabalho escrevendo na tela a palavra FIM? Os personagens ganham vida pelas mãos de atores, seja em teatro, cinema ou tevê ou ganham vida através da imaginação dos leitores. E quanto ao escritor? O que acontece com ele? Simplesmente salva o seu trabalho, desliga a máquina e depois de tantos conflitos, clímax e desfecho que reservou para os seus personagens, volta à sua vidinha normal.
E quando em seu cotidiano, como nas peças de Tchekhov, nada acontece? Quando o escritor olha para o céu escuro e vê da sua janela, às 4:40 da madrugada, três ou quatro luzes acesas dos prédios ao seu redor, pouquíssimos carros transitando na rua e um silêncio que chega a ser desesperador? Enquanto este finaliza o seu texto, a grande maioria repousa para enfrentar mais um dia de trabalho numa manhã de segunda-feira. E no momento em que o escritor vai dormir, a cidade, pouco a pouco desperta e as pessoas retomam as suas funções.
E agora, o que me resta fazer, é deixar minha sensação de abandono nas páginas desta crônica, assim como o meu isolamento, dormir umas horinhas e esperar o dia raiar, porque amanhã será um novo dia. E com certeza, não estarei mais tão sozinho como hoje


Julio Carrara 
(2005)

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