terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

MINHA PRIMEIRA CRÔNICA

Domingo, 13 de novembro de 2005. São exatamente 9 horas da manhã. Está um dia lindo. Não dormi quase nada essa noite. Acordo, para variar, dando uma série de espirros. A minha alergia é cruel, principalmente quando levanto e quando vou me deitar. Abro a imensa janela do meu apartamento e sinto uma brisa suave acariciar meu rosto e os meus cabelos desgrenhados. Antes de ir lavar o rosto, olho para a minha volta. Da minha janela do 4º andar vejo à minha direita a Igreja Nossa Senhora do Carmo, à minha esquerda, o Viaduto da Rua Pedroso e à minha frente, quatro prédios de apartamentos que parecem brotar de uma vila, cheia de sobrados, bastante simpática.
Quinze minutos atrás, o sino da igreja chamou os fiéis para a missa. Há anos que não piso numa igreja, por isso não vou à missa. Durante cinco minutos o sino soa sem parar. Às vezes chega a me irritar. Quando me mudei para cá, há três anos atrás, achava que não fosse me adaptar, pois o sino da igreja toca a cada quinze minutos: hora, hora e quinze, hora e trinta, hora e quarenta e cinco... Será que o sino é programado, ou alguém fica sentado num banquinho atento na hora, para badalá-lo no momento exato? Nunca procurei me informar. Também, pouco importa. Quem sabe algum dia eu pergunte para o Padre. Mas logo a gente se acostuma e quando não estou em casa até sinto falta das baladas. Porque com essas baladas, nunca perco a hora.
Ligo o computador e coloco no aparelho de som um CD com músicas de Nino Rota. Enquanto espero o computador se inicializar, ouço o CD e dezenas de personagens “fellinianos” desfilam na minha mente. E fiquei imaginando que eu poderia ser um deles. E se um dia eu perco o meu apartamento, o meu emprego e vou parar na rua? Como irei me virar sem os meus livros, os meus CDs, os meus filmes, o meu computador? Sinceramente, não sei se conseguiria. Talvez eu me transformasse num outro Raimundo (aquele morador de rua, que fica num canteiro, na Rua Pedroso de Moraes, em Pinheiros), sentado no meu canto, anotando os fatos que se passavam ao meu redor e completamente “indiferente” aos acontecimentos políticos do nosso país, sem nenhuma noção do dia da semana e do mês em que estaria e sem nenhuma perspectiva para o futuro. Será que eu seria mais feliz assim?
A única maneira que encontrei de não surtar, foi escrever. Fico horas a fio sentado na frente do computador, digitando. Escrevo até os meus olhos embaçarem e os meus dedos doerem. Começo à meia noite e só paro quando vejo o dia raiar. Aí no período da manhã eu durmo. Já adquiri uma tendinite, mas pouco importa: o que eu quero é registrar as minhas impressões sobre o que vejo e sinto. E como isso é doloroso...
A vantagem de ser escritor é que você trabalha só e na hora que quer. Quando sente os dedos coçarem, dirige-se para a escrivaninha e redige 20 laudas. Outro dia, fica horas olhando para o teclado e para o monitor e não sai nenhuma linha sequer. É muito triste quando sua imaginação não está fértil.
O sino da igreja volta a badalar. São 10:45 da manhã. Acabou a missa e encerrarei o parágrafo. Trata-se da minha primeira crônica. O CD do Nino Rota acabou, as personagens do Fellini desapareceram entre a névoa do meu pensamento, estou empregado e debaixo de um teto, não sei como é o funcionamento do sino da igreja, o Raimundo continua no seu cantinho escrevendo e meus personagens atualmente só têm vida nas laudas dos meus textos.
Novamente volto a olhar pela janela. Uma criança brinca nas escadarias da igreja, ouço o barulho de uma vassoura sendo esfregada no chão, vejo um casal de pombas no telhado do prédio vizinho. Uma delas olha para a minha direção. Tomara que isso possa ser o indício de alguma coisa muito boa. Assim seja.


Julio Carrara 

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