terça-feira, 8 de dezembro de 2009

RECEITA PARA NOVOS E PRETENSOS ENCENADORES DOS MEUS TEXTOS

DO BLOG DO BORTOLOTTO


"Fighting" é o que eu gostaria que "Nossa vida não cabe num Opala" tivesse sido. Já cansei de falar sobre o filme adaptado da minha peça. Que é um filme fraco a começar pelo roteiro e com pouca compreensão do universo abordado. Tudo o que o Bruno Bandido sacou da minha peça "Uma pilha de pratos na cozinha" por exemplo, é exatamente o contrário do que foi entendido pelas pessoas responsáveis pelo filme "Nossa vida não cabe num Opala", a começar pelo título que originalmente é "Nossa vida não vale um Chevrolet". Exatamente o contrário do que queria dizer. Então dia desses assisti o ótimo filme "Fighting" (Veia de Lutador) do Diretor e roteirista Dito Montiel, de quem eu já tinha visto "Santos e Demônios" e que aliás, também gostei muito. É um filme com uma história simples. Rapaz (Channing Tatum que também trabalhou em "Santos e Demônios") vem do interior para Nova York com um passado marcado por desentendimentos com o pai, tenta ganhar a vida vendendo produtos ilegais na rua, se mete em encrenca e conhece o golpista Harvey (Terrence Howard) que percebe o talento do rapaz em brigas de rua e o coloca no circuito das lutas ilegais. Logo o rapaz se torna uma estrela no meio enfrentando desde lutadores profissionais até fodões de artes marciais. É claro que tem também o envolvimento do rapaz com uma garota que trabalha em uma boate, os fantasmas de seu passado, etc. Na verdade são todos perdedores natos que vislumbram uma possibilidade se dar bem em um mundo onde não há mais que uma chance pra que isso aconteça. Reparem no personagem "Harvey". Simplesmente enternecedor. Quando escrevi "Nossa Vida não vale um Chevrolet" que acabou de ter leitura no México com ótima recepção de público segundo a Lygia Cortez que me mandou um e-mail ontem, foi com o intuíto de escrever sobre esses personagens que foram obviamente deturpados no filme. Escrevi os personagens que se envolvem em lutas de rua inspirado no ótimo "Lutador de Rua" de Walter Hill com o grande Charles Bronson. São sujeitos que lutam por dinheiro sem nenhum tipo de proteção e nos lugares mais improváveis. É o que o filme "Fighting" tem. A luta é marcada e acontece num beco do Brooklin ou numa mansão de algum milionário. Tanto faz. Os dois caras simplesmente começam a lutar e vale realmente tudo. No filme "Nossa vida não cabe num Opala", os caras levaram as lutas pra um ringue, com luvas de boxe e o escambau. Não era nada daquilo. É claro que o roteirista nunca conversou comigo a respeito disso e que o Diretor não teve o menor interesse em me consultar e entender minhas referências. Por isso o filme é tão fraco. Nem vou discutir os outros personagens como a irmã Magali (totalmente deturpada) ou o empresário Guto que ficou caricatural. Ou a solitária Silvia que no filme parece apenas uma garota que sai à noite pra "caçar" alguns caras pra transar, nada mais que isso. Voltei a falar disso porque assisti o filme "fighting" e fiquei pensando no enorme desperdício que é fazer um filme sem conhecimento de causa, sem entender de onde veio toda a encrenca e sem sacar as referências do cara que escreveu a história. É por isso que sempre fico chateado com a maioria das montagens de minhas peças que assisto por aí. Os caras estudam Shakespeare, Nelson Rodrigues e Koltés e querem encenar um texto que escrevi. Fica difícil. Aconselho a quem quiser se aventurar a encenar outro texto meu (quase todos os dias recebo pedidos de encenação) a ler muito gibí, ver muito filme alternativo (Jarmush, Cassavetes, Abel Ferrara e Hal Hartley por exemplo) e inclusive muito filme "B" (entendam que eu sou fã de Stalone, Carpenter, Rob Zombie e George Romero por exemplo). Esqueçam David Lynch, Almodovar, Lars Von Trier, etc. Eu não tenho nada a ver com isso. Tentem ler os caras que realmente mudaram minha vida (Bukowski, Spillane, Henry Miller, Kerouac, Chandler, Goodis, Carver, etc). Também tem que sair pra rua, beber até de manhã com alguns amigos engraçados e apaixonados. Tem que comer algumas mulheres ou até muitas mulheres (faz bem pra caralho), mas também tem que se apaixonar por uma e ficar muito mal quando ela te deixar e trocar por outro mais bacana. Você sabe que tá sempre no fim da fila dos caras bacanas, né? E tem que fazer alguns poemas decentes quando isso acontecer. Tem que ouvir muito blues (porque só no blues está toda a verdade). E tem que ter toda a melancolia necessária. Tem que saber que nada vai dar certo e tem que saber todas as regras do jogo e não deve usar nenhuma delas, porque na verdade você não deve trapacear com a vida em benefício próprio. Tem que estar disponível pra ser socado na cara quando a luta começar. Não tem que ter vergonha de sentir tudo do jeito mais intenso possível. E errar, e se arrepender. E voltar atrás. E não pode ter medo do erro, porque no erro reside toda a santidade. Ou você realmente acha que os santos são perfeitos? Você acha mesmo que eles já não se pegaram amaldiçoando o Deus impassivel que armou essa pra eles? E tem que chorar sozinho vendo alguma cena de algum filme que você já viu novecentas vezes. Tem que ter orgulho das cicatrizes. Só assim vai ser possível. Se você não estiver estômago para isso, te aconselho a encenar algum Shakespeare ou algum Nelson Rodrigues (eles são bons pra caralho, eu reconheço, e isso não é nenhuma ironia) e me esqueçam. Eu não tenho nada a ver com isso. E talvez eu não tenha nada a ver com vocês.

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